segunda-feira, 3 de julho de 2017

Raízes

Meus medos são os mesmos, tem mesma intensidade. O que mudou foi minha coragem
que me fez criar raízes fortes.
E olha que paradoxal: raízes que me permitiram voar. 

Tá louca a menina, né?

Metáforas... Servem pra tantas coisas que seria um desperdício caírem na obviedade. 
Mas é, minha coragem se instalou como uma raíz, dificultando meus tombos. 

E me permitiram voar, porque é isso que a coragem faz: Ela permite que você saia do seu lugar e você só o faz enfrentando todos os seus lados obscuros, enfrentando a fuça de cada um dos seus demônios. Eu sei que você tem muitos. Todo mundo tem.

Assim eu tenho estado de pés no chão e batendo asas. Explorando o que tem entre a terra e o céu, ora recebendo ventos velozes que desestabilizam, ora sentindo alguma serra elétrica pra me podar. 

Mas raízes profundas não se cortam com serra elétrica. Quem dirá com machadinho cego.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Dos livros não escritos

   Eu não sei em quantos ombros eu chorei ou para quantas pessoas eu contei minha história, mas pretendo quem sabe esmiuçá-la no decorrer de um livro que eu sempre quis escrever. 
   Por enquanto, vou me sufocando com meus desesperos internos e me desufocando à medida que pouco a pouco as pessoas que aparecem se disponibilizam a me ouvir e me incentivam a não calar. Me aninhando em colos amigos, conhecidos e às vezes passageiros que me propõem não guardar aqui dentro tudo de uma só vez o que veio criando raízes ao longo do tempo, em parcelas.
   Decidida que nenhuma dessas eventualidades e cotidianos sirvam com intuito de recuperação ou de restituir o que eu já tive ou o que eu era antes de tudo desmoronar, mas com o objetivo de conseguir o respiro e o suspiro de hoje e de dar o próximo passo para um amanhã sem perspectivas. 
   Seguindo em frente buscando os apoios que vierem, levantando dos destroços das implosões repentinas que acontecem sem a malícia de um cérebro esperto disposto a prevê-las. Já não há forças pra preparar as emoções. Os embaraços acontecem, os tropeços vem com tombos quebradiços, e buscamos novos ombros, ou as mesmas pessoas, para desufocar outra vez. Respiro.   Há de ser dado mais um passo amanhã.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

[Des]construções

Dias atrás estava eu, atravessando a Av. Dona Ana Costa. E vocês sabem, Santos é uma cidade rica em construções históricas, maravilhosas e - grande parte das vezes - malcuidadas.

   Na Av. Ana Costa tinha uma casa. Uma dessas antigas, maravilhosa, mas completamente abandonada. Eu achava aquela casa linda. Nesse dia, ao passar por lá, vi o portão e nada mais do que um pequeno amontoado do que sobrou do entulho recolhido dentro do terreno. Nada da casa. Meu coração ficou pequeno. Quem é doido em arquitetura, sabe bem como é isso. Todas as vezes que passava por lá, olhava na esperança de alguém comprar e restaurar. Ou de ser tombada, sei lá. Mas era algo que na minha cabeça seria inevitável. Não poderia ser diferente: uma reconstrução para algo tão incrível.

   Mas não foi o que aconteceu. Ela simplesmente tinha sido demolida.

   E sabe, é assim na vida. A gente vive tendo esperanças em reconstruir coisas que foram - e talvez ainda sejam - lindas, mas que uma hora tem que ir. Recusamo-nos a assumir que essa hora chegou.

   Quantas relações nós mantemos na mesma situação que aquela casa? Que marcou grandes momentos, fez história, mas já estava desgastada, sem estrutura, sem condições de receber mais ventanias e temporais nas suas telhas frágeis?

   Nós normalmente preferimos fechar os olhos do que sair desse comodismo e entender que temos de demolir o que foi construído para dar lugar a algo novo. Nós temos medo de assumir essa condição. De deixar ir.

   Um microfisioterapeuta uma vez me disse: "Nós sofremos e criamos feridas emocionais porque somos muito territorialistas. Não queremos abrir mão do que nós nos acostumamos a ter."

   Ele tem razão. Nós não queremos abrir mão daquilo que às vezes demorou pra chegar, demorou pra acontecer. Mas sobretudo, nós nos acostumamos a ter uma relação, mas não entendemos que temos as relações, não temos as pessoas. E por isso caímos nesse apego além-do-afeto, nesse apego-de-posse que mais cedo ou mais tarde nos impede de seguir um caminho nosso e de olhar para dentro. E olhar para dentro é ver que deixar algo já falido para trás, ainda que doa, é deixar prevalecer que o amor de fato continue, mas renovado, com outra frequência.

   Talvez, lá naquele terreno, surja algo novo genial. Talvez essa nova construção abrigue sonhos maiores, diferente daquela casa já vazia e sem condições de abrigar o mais inanimado dos objetos.

   Talvez deixar ir e construir algo novo te permita abrigar uma realidade muito mais feliz e seja a continuação do seu caminho rumo à sua própria descoberta e felicidade.

   Deixe ir e permita-se uma nova construção.

Por que a gente é assim?

Sigo tentando entender o amor.
Não o amor em si, mas todo esse lance de relacionamento e envolvimento, entende?
Talvez eu tente ainda entender porque bem, vai ver eu não sei lidar com isso. Vai ver é porque ainda me culpo muito por sentir. Será que muita gente é assim? Assim, sabe... Você fica com alguém, mas se gostar, não demonstra muito isso afetivamente. Vai que eu viro a doida que fica em cima? Vai que a pessoa acha ruim?

"Eu não ligo pro que os outros vão pensar. Sou só eu mesmo".

O cacete!

Se você fosse você mesmo, você ligaria, daria cara a tapa, faria mil elogios pr'aquela guria ou guri que você curtiu demais, de início, mas o envolvimento que você teria em uma semana sendo realmente você mesmo, você acaba conseguindo em, sei lá, dois meses. Ou nem consegue. Desiste por medo. Ninguém fala nada. Vida que segue. Outro cara, outra mina. Outro lance sem compromisso mas até conhecer alguém bacana de novo você martela o tempo todo na cabeça: "que bosta, por quê isso tá acontecendo?"

E por que será que a gente é assim?
Sabe toda aquela história de 'eu gosto de gente que demonstra, que sente e fala, que não faz a cultura do desinteresse'? Já parou pra pensar que pode ser só medo? Ou sei lá... Talvez a outra pessoa não queira nada mesmo. Vai querer pagar pra ver se não? Ninguém quer.
Isso pode ser uma prudência exagerada, ou um cuidado para a não-romantização-das-coisas porque afinal, sempre há a linha tênue entre as coisas serem incríveis ou ficarem tão desconfortáveis a ponto de toda coisa agradável transformar-se em impossível. E aí vira tudo um grande rebosteio em meio as possibilidades.

Vamos fazer o quê, afinal? A gente não quer parecer estranho. Nem estragar nada - mesmo porque se estraga alguma coisa é porque a pessoa é meio babaca, mas a gente não entende isso.
Nós, tão apegados a expectativas que nascem diretamente da cabeça sem prévia autorização, começamos a ter qualquer simples contato com alguém realmente legal apenas respirando por aparelhos, quase que com ataques de asma - se desesperando por não ter uma bombinha por perto, algo para parar e entender o que está acontecendo.
Tudo isso pelo ridículo fato de S E N T I R. De ser afetado pelo afeto. Tudo isso por apenas ser gente. E como eu disse, eu não to falando de amor não. Só de gostar. De, sei lá.... Vocês devem ter entendido. A gente só não compreende mesmo como aprender a mudar isso. Como que faz?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Sábado de Primavera

Era um sábado de outubro, um sábado qualquer de primavera. Não tão qualquer. Depois de presenciar tantos solavancos numa vida quase excluída de eventos motivadores, pude presenciar alguns dias antes eventos alheios daqueles que deixam a primavera mais florida. E, embora eu houvesse presenciado tais alegrias que não me pertenciam, aquele sábado era de certa forma, meu. Meu e de quem eu esperava sempre ver. Marcamos às 18 horas. Minha mania insistente de fazer qualquer coisa arrastando-me – especialmente me arrumar para ir a qualquer lugar – me fez atrasar, e me coloquei no direito de adiar o encontro para as 19 horas. Estava lá às 20.
Talvez tenha parecido que eu não estivesse tão ansiosa assim, ou mesmo que a minha vontade de sair e encontrá-la não eram tanta. Mas a verdade é que tremelicava por dentro e apertava os olhos e os punhos fechados, com o braço esticado, como quem quisera abortar um pouco da ansiedade, só pra não parecer tão vulnerável, e tudo o que consegui foi parecer patética na frente do espelho. Eu não esperava nada daquele dia. Aliás, estava imaginando em como me livrar do desajeito de estar só com ela, sabendo de todos os capítulos que havíamos encenado, de todos os momentos e discussões que deram em absolutamente nada. Ninguém nunca sabe lidar com constrangimentos, ou então não seria chamado assim. Mas só de vê-la, mesmo esperando o pior, mesmo sabendo que tudo se manteria morno demais para mim, era o suficiente pra que eu vencesse um pouco a saudade. Bem pouco, só o suficiente pra respirar tranqüila e fortalecer minha insônia pelas semanas seguintes. Encontrei-a numa praça, em frente àquelas igrejas bonitas que servem de mãe para uns, atraso para outros, mas sempre uma decoração ímpar, digna de ponto turístico para qualquer cidade. Para meu alívio, ela estava de costas para mim – sempre odiei cruzar o olhar com alguém muito antes de chegar até ele, pelo simples motivo de não saber o que fazer e acabar soltando um sorriso de lado, envergonhado, ainda mais na situação em que me encontrava.

- Oi. – Grunhi longo, apertando-a na cintura tentando parecer amigável, esperando a reação que viria daquela menina.
- Oi. Demorou pouco! – Irônica de sempre, levantou pra me dar um abraço.

Foi ali, decerto, um dos nossos abraços mais desajeitados entre todos aqueles dos quais nem lembro a quantidade. Foram muitos, embora não o bastante para mim. Nem chegamos a nos olhar nos olhos. Ela sentou de frente para a porta da igreja, onde acontecia ainda a missa das 18h30, e eu me posicionava paralelamente à estrutura religiosa, olhando vez em quando por minha visão periférica, que a encontrava em primeiro plano e, em segundo plano, a igreja que jubilava em comemoração de aniversário de seu sacerdote residente. Conversávamos sobre coisas vagas enquanto pensávamos coisas completamente diferentes, como as nossas conversas anteriores e os nossos desentendimentos. Ainda estávamos desconsertadas com o encontro. Saímos dali sem direção, acabamos num banco à frente da orla da praia. Um tanto quanto silenciosa, algumas pessoas, e eventualmente apareciam carros ao som de funk como anunciando o começo do sábado agitado que, para nós, não estava tão agitado assim – tirando os hormônios e o calafrio e todas as memórias. Eu estava vestindo um short e dois casacos. Embora a noite estivesse agradável, o vento gelado me dava um frio que não esperava sentir. Mas as coisas quase nunca são como a gente espera, eu deveria saber disso. No embalo de pausas, que já não eram mais tão constrangedoras, de vento e de alguns carros de som passando na avenida, conversávamos sobre bebidas, porres, vodkas ruins e assuntos normais de jovens adultos. Não me lembro de algum momento específico de não querer a presença dela, mas mesmo assim, o tédio era iminente e isso me preocupava. Quero dizer, minha vida ultimamente já estava tão escassa de coisas animadoras, que tudo o que eu menos queria era passar frio na orla da praia sem assunto algum com a pessoa pela qual eu perdia meu sono quase todas as noites. Então propus, como num ato desesperado de salvar a noite, que saíssemos da cidade, que fôssemos pra um barzinho, música ao vivo, conversa, qualquer coisa. E também num ato desesperado recrutei um amigo, que por gentileza do destino não se recusou a nos acompanhar. Não tínhamos onde dormir, onde ficar... Íamos varar a noite, voltar apenas de manhã e, para minha total surpresa, mesmo nessas condições ela aceitou a proposta. Por volta das dez e pouco da noite estávamos esperando o ônibus, sentadas no banco da rodoviária onde uma senhora também aguardava e pedia informação, interagia conosco. Não haviam se passado nem três horas de quando a tinha encontrado, e já tinha perdido a conta de quantas vezes o seu sorriso havia me ludibriado, fazendo com que eu quase saísse dos parâmetros da realidade. Nos intervalos de conversa com a mulher ao lado, brigávamos preguiçosamente como quem necessitava de alguma forma, fazer os corpos se encontrarem. Empurrões que se transformavam rapidamente em um abraço apertado e demorado. Era sempre assim, mas nunca passava disso. O veículo gigante e de aparência grotesca chega, e nós, juntamente com a mulher, entramos. Todos aqueles bancos azuis, a paisagem, o desconforto e a poeira no canto das janelas me faziam lembrar-me do ensino médio, e era fácil me dar conta do alívio que eu sentia de permanecermos amigas depois daqueles tempos... E depois de tantas complicações. Conversamos mais. Havia menos pausas. Músicas, compositores, artistas eram nossas pautas. Antes da nona ou décima parada, sobe um casal de corintianos bêbados, com bonés e casaco da torcida, um copo de cerveja na mão, foi impossível não rir. E toda àquela tensão de três ou quatro horas atrás já havia sido amenizada.
Descemos paralelamente ao pé de uma avenida e eu já sentia mais frio do que outrora. A menos de vinte metros do bar percebi que meu amigo não chegara, que a fobia de um novo constrangimento batera na porta e, assim, adentramos no bar. Não havia cadeiras ou mesas, o que me fez me esforçar mais do que eu queria no momento. O garçom prontamente nos reservou um lugar e sentamos no mezanino do estabelecimento. Estabelecimento no qual sempre me senti agradável. Havia um cheiro amadeirado devido à estrutura do ambiente. A música na maioria das vezes era dançante, embora o local fosse um tanto quanto pequeno. Depois de sentarmos, o silêncio apoquentador estabeleceu-se novamente diante de nós. E não só bastasse isso, mas logo que sentei minhas nádegas e olhei à minha frente, dei de cara com dezenas de pessoas bebericando suas cervejas importadas e casais românticos trocando carícias, beijos e risos soltos. Não acreditei em nada mais do que uma grande piada de mau gosto do destino. E eu podia senti-lo apontando o dedo na minha cara e rindo, como quem fosse um sádico apreciando a desgraça alheia. Peguei umas cervejas para nós enquanto aguardava meu amigo, que dizia estar atrasado e esperava inocentemente que um ônibus passasse para que ele pudesse chegar. Olhava no celular, me comunicava com ele e chamava outra amiga que morava nas redondezas pra matar saudade. Ela não poderia ir. Era perturbador. Vinte ou trinta minutos que pareceram uma eternidade, foi o tempo que demorou em que nosso amigo chegasse. Alívio. Os apresentei, conversamos e bebericamos nossa segunda cerveja. Pedi duas tequilas, que demorei quase uma hora para convencê-la a beber. Duas ou três cervejas após a tequila e eu encontrava-me no estado desnorteadamente alegre enquanto ela estava alterada, mas absolutamente normal, e ele nem um pouco atingido pelo álcool que ingeriu. Depois de toda a quebra de gelo e minha voz desnecessariamente alta competindo com a música, decidimos ficar na calçada em frente ao bar conversando de forma mais decente e compreensível. E eu, encostada num poste, não esperando nada daquela noite no meu consciente, me deparo com uma das suas mãos se apoiando em minha lombar, entrelaçando seus dedos nos meus. Não ficara rígida de nervoso ou coisa parecida. Embora alegre, ainda estivera sóbria. Em vez de enrijecer-me, tranqüilizei-me no toque das suas mãos nas minhas, que não tremiam de nervoso, mas repousavam firmemente uma na outra, como quem quisera segurar para nunca mais deixar sair dali. Nosso amigo, que bebericava sua nona ou décima latinha de cerveja, anunciou a ida ao banheiro. E agora não só uma, mas nossas duas mãos estavam entrelaças. Minha testa encontrou a dela.

- Eu juro que eu fico com você quando você estiver sóbria. – Oras, eu não estava bêbada. Também jurei.

Não disse nada mais no momento. Nosso parceiro de conversa havia voltado. Quatro e meia da manhã, decidimos ir embora. Sentamos em mais um dos bancos da noite para que resolvêssemos em que lugar esperaríamos o ônibus – que na ingenuidade dos nossos pensamentos, apareceria em menos de uma hora. Então nosso amigo sugeriu que pegássemos um táxi até a rodoviária, por questões de segurança. Ele nos acompanhou e, percebendo meu frio, fez questão de me esquentar. O carro encostou ao lado do terminal suavemente, de forma que quase não reparei a chegada, que pareceu mais demorada que o esperado. Ela desceu, dei algum dinheiro àquele que trouxe o equilíbrio à noite para ajudá-lo a pagar o táxi. Coloquei meus pés de forma desajeitada no solo externo e logo vi a mão dela estendida em minha direção, que segurei prontamente, tão firme que eu podia imaginá-la só minha ali. Subimos as escadas que davam acesso aos guichês. Dois guichês abertos, um policial, uma mulher, outras duas, no máximo três pessoas zanzando por ali. Estávamos em silêncio. Um silêncio que para mim era afável. Soltei da mão dela e caminhei à frente para o banco, sentei-me. Ela, em seguida, não hesitou em ficar em pé, à minha frente, apoiando-se e abraçando minha cabeça, enquanto a abraçava pela cintura e encostava sonolenta a cabeça em seu peito. Podia sentir todas as batidas descompassadas e aceleradas do seu coração, me avisando, de alguma forma, que aquilo era um bom sinal. E eu pude senti-la me afastando de sua cintura e levantando o meu queixo para que eu pudesse encontrar seus olhos. Encontrei os olhos, seus cachos que pareciam ter uma beleza imutável e pareciam impossíveis de serem bagunçados, até que ela encontrasse minha boca com todo o cuidado do mundo atingindo uma realidade sublime. Como eu podia ainda amá-la igual há quatro anos? Não igual. Mais, eu diria. Muito mais. Seus lábios saíram dos meus, passaram pelo meu queixo, meu nariz, meus olhos, minha testa. Desceram ao ouvido.

- Te amo. – Recebi a informação, completamente desnorteada.
- Eu também, te amo muito. – Disse repetidas vezes.

Não era como se importasse se alguém estava ali, presenciando isso. Eu esperei quatro anos, e esperei até o fim da noite, e foi a melhor coisa que me aconteceu em um tempo incalculável. Tudo havia sido incerto toda a noite, e mesmo assim propiciou para que àquele momento acontecesse, e eu queria eternizá-lo. O ônibus chega.

- Por mim, eu ficaria aqui amanhã, e terça, e quarta, e quinta e sexta-feira... – Me prendeu no abraço que parecia, e era, o melhor abraço do mundo.
                                                                     


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O que a gente leva?

   O que a gente leva da vida é inversamente proporcional ao que buscamos nessa Terra, tátil, grande, onde ficamos imersos sob inúmeros sonhos, aos quais na maioria das vezes temos vergonha em abrir ao mundo os mais nobres e sinceros e demonstramos veemente os mais terrenos, materiais e obsoletos deles.
   Parece vergonhoso admitir que sonha em acabar com a fome do mundo ou lutar por alguma causa social. Parece intimidador dizer aos outros que quer deixar um legado na literatura internacional. O mundo sempre nos subestima. Mas confunde-se interminavelmente o fato de sonhar e o fato de acreditar estar construindo alguma coisa chamada "sonho" quando você está inserido em uma realidade muito distante daquilo que você imaginou. Talvez, dentro de você, a sua maior conquista não seja uma conquista sonhada. Não um sonho real. Apenas uma vitória para inglês ver. A gente sabe como funciona. Aquela promoção na empresa de logística, ou a contratação na agência de publicidade. Talvez dentro de você, isso seja só a sobrevivência, e não o sonho. Talvez você quisesse ser um grande fotógrafo de natureza, ou um skatista profissional, sei lá. A gente leva a sério demais, se desgasta demais por coisas das quais os outros irão ver, como se você fosse um quadro social da desgraça exposto em um museu dos bons modos.
    Porque claro, seguir um sonho é uma desgraça total. As pessoas amam a dificuldade que você encontra, porque ali elas acreditam que você não vai conseguir. Elas só não querem mesmo que você chegue lá. Ainda que você não queira chegar a lugar algum. A verdade é que ninguém deveria ser obrigado a chegar a algum lugar. E esse é o maior pecado de todas as gerações. Às vezes temos que entender e aprender que em qualquer jogo, não importa se você ganhe ou perca, e sim o quanto você se diverte, porque o que a gente leva da vida é inversamente proporcional ao que buscamos nessa Terra. Aberta, enorme, linda, pronta pra ser explorada e humanamente impossível de ter suas maiores riquezas exploradas em uma vida. E ainda assim, sem tempo pra isso tudo, mesmo assim, cultivamos humanos com obrigações impiedosas de aprisionamentos. Aprisionamentos do corpo, em escritórios e apartamentos, aprisionamentos da alma em preocupações e listas morais.
   Você não pode falhar, você não pode morrer realizado. Os moralistas não querem isso. Caso você manche seu quadro de vida saindo dos padrões, vai se diferenciar demais. Eles não querem o seu destaque. Eles não querem te ver brincar ao invés de estar com o rosto ranzinza de preocupações.

domingo, 11 de setembro de 2016

Meu sorriso é resistência.

      Meu sorriso é resistência. Vejo amigos desistindo da vida, já mortos por dentro. Ouvimos absurdos, eu sei. A gente sabe a luta que passa. Essa semana mesmo me disseram que me escondo atrás de uma farsa que é a depressão. Ninguém diz para um paciente com fratura exposta que ele está fazendo drama. Ninguém diz para um paciente com mal de parkinson que ele está sendo ou é um dissimulado. Ninguém diz para um paciente com hérnia de disco que ele está com frescura. Mas quem carrega o peso das doenças psicológicas ganha de brinde a psicofobia.

     Essa semana não só me disseram que minha depressão era farsa, mas entregaram a arma na minha mão duvidando das minhas constantes vontades em não viver mais. Eu peguei o cano sem pensar uma segunda vez. Eu a peguei e ela foi tirada da minha mão logo depois de quem me deu perceber que eu realmente o faria. Eles não levam a sério. As pessoas não sabem lidar.

     Às vezes se chega a esse extremo mesmo. Muitas vezes alguém precisa morrer, para depois disso as pessoas em volta dizerem no jornal local em entrevista que "não sabiam que ele(a) estava tão mal" e que "não imaginavam as suas intenções nisso". E por isso meu sorriso ainda é resistência. E por isso que toda a manifestação de vida de alguém com depressão, ou borderline, ou bipolaridade ou qualquer outra doença psicológica, é resistência. É resistência por cada um que hoje não pulou, por cada superdose não tomada, por cada um que não puxou o nó da corda ou o gatilho. 

     Meu andar pela cachoeira e o prazer que sinto fazendo isso é uma resistência. Cada dia bem é uma resistência e cada dia ruim, é mais ainda. Cada sorriso honesto é fruto de muito esforço em continuar uma caminhada que nem sequer mostra sentido. É o esforço diário em achar sentido em uma vida que tropeça em tantas contradições pesadas e frias. Esse sorriso, que carrega por trás inúmeras crises de choro, que carrega a descrença e a insensibilidade, é o sorriso que carrega a luta. E se for pra resistir, eu vou resistir na totalidade. Mesmo com crises, mesmo fraca, mesmo desistindo. Mas batendo de frente com quem ousa não respeitar essas condições.

    Quando eles dizem que não sabiam das intenções e não imaginavam que o suicídio pudesse acontecer, na verdade eles sabiam. As pessoas só não levam a sério. Talvez, essa semana, não tivessem conseguido pegar a arma de volta da minha mão. Talvez, essa semana, eu não estivesse aqui. Mas eu sorri de novo, eu resisti outra vez.