quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Velho-novo recomeço

Dezenove horas e o pôr-do-sol anunciava um começo de noite quente, não havia porque esperar menos de um país tropical em época de verão. A temperatura e a ocasião me permitiam um short, um tênis confortável qualquer e a blusa mais negra e larga encontrada em qualquer lugar do meu guarda-roupa.
Saí de casa esperando muito. Desde que me permiti sair dos parâmetros de todos os capítulos chatos da existência, pude trocar, rever e experimentar de todos os episódios e de toda a trilha sonora do máximo de dias que eu me dava conta de que ainda passava algum ar pelos meus pulmões. Amigos, pessoas que tinham uma peculiaridade e uma história, estavam me esperando no portão. Coloquei os pés na calçada lisa, fui invadida brevemente com todas as ondas de calor possíveis e em seguida, tomada pela brisa leve e refrescante. É, talvez, umas das coisas que mais gosto do verão – talvez a única coisa.
Já havia um tempo da nova-velha realidade em que eu me encaixava. Depois de todos os desconfortos e desconsertos sofridos, talvez ainda não estivesse tão acostumada com o recomeço. E isso, posso dizer seguramente, não era ruim. Ao contrário, me sentia confortável por um forte desprendimento das coisas, que obtive desde que passei por experiências de grande estorvo. Quem nunca passa por isso? Quantos se permitem sair disso? Era noite de gastar com as melhores bebidas, e as piores também, ir ao show que gostávamos, com pessoas que agradavam umas às outras. Isso não é felicidade pra você?  Ainda bem que qualquer um pode encontrar qualquer forma de se fazer feliz, porque nós estávamos, e nós havíamos encontrado algo.
Entramos na casa noturna escura, quente, com cheiro adocicado. As luzes brilhantes e ilusórias dos holofotes de acordo com o som que ecoava dos instrumentos pareciam bater nos olhos no mesmo ritmo que a música vibrava nas costelas. Eu sentia meu coração bombeando o sangue e o estômago leve. A banda já tocava impecável no palco e, antes que eu pudesse retomar o fôlego, meu olho pôde observar claramente entre todas as luzes quem eu jamais pudera imaginar encontrar. Um lugar improvável, em um tempo improvável. É engraçado como nenhuma das coisas zeram quando já foram vividas e revividas. Era a nossa banda, aquela que conhecemos juntos, vimos crescer e atingir o estrelismo, acompanhando os CD’s e DVD’s. Agora estávamos nos encarando e ouvindo da forma mais direta possível o que todas as composições diziam e que já haviam mudado completamente o significado pra mim. Ele olhou fixamente, houve algo ali.
Talvez os dois estivessem impressionados com o que o destino reservou, já que minha crença em algo que Deus pudesse fazer já não era tanta assim. Acredito que a dele também não. Era um tanto quanto evidente, mas ele preferiu continuar fazendo as pessoas acreditarem que ele ainda rezava, ou algo do tipo. Mas as sextas e sábados saía com os amigos da faculdade pra encher a cara e fumar maconha. Deus veria de qualquer jeito, mas não reclamaria. As pessoas a sua volta sim, o julgariam e pregariam o quão errado era. O problema não era Deus, eram as pessoas. Depois de chegar a essa conclusão, o quê mais eu poderia pensar? Quase reprovou em uma das matérias da faculdade. Mas conseguiu se safar. Não era nenhum perdedor. Ou pelo menos, jamais demonstraria isso a alguém.  Era paparicado quando aparecia na casa da mãe nas férias. Mesmo preso nas crises existenciais e dando PT alcoólico nas festas, jamais deixava de ir à missa. Mas não podia fazer nada do cotidiano universitário quando dormia na mãe. Era um cara feliz, até demais. A música tocando e a bateria explodindo nos pulmões completavam o cenário do cara se divertindo com os amigos. Impecavelmente sorridente.
- Oi, tudo bem? Nossa! Quanto tempo! – Disse sorrindo, como quem se preocupava normalmente.
- Tudo pô, e você? – Não senti nada.
Pena, talvez. Felicidade. Alívio por saber que querendo ou não, as pessoas seguem. Seguem suas vidas, seus dias, sua jornada. Pena por poucos fazerem isso da maneira que os faça feliz, à sua própria maneira, simplesmente porque é trabalhoso demais tomar as rédeas da própria felicidade. Alívio por saber que eu tomei as rédeas de todos os meus sorrisos. Pena pelos sorrisos alheios que não são completos, que adiam a história da própria vida porque “agora não dá” e passam a viver de coisas secundárias que satisfazem tanto quanto tofu.
Era uma noite de verão, com pessoas que me faziam bem e eu havia recomeçado. Mas me dera conta de que havia muitos caras daquele, rindo impecavelmente, sendo apenas metade do que desejava ser. E eu, que pensei em abrir mão da minha segunda chance, não sentia nada mais, só o som batendo no peito e a sensação de liberdade refazendo os pontos da minha história.