Dezenove horas e o pôr-do-sol
anunciava um começo de noite quente, não havia porque esperar menos de um país
tropical em época de verão. A temperatura e a ocasião me permitiam um short, um
tênis confortável qualquer e a blusa mais negra e larga encontrada em qualquer
lugar do meu guarda-roupa.
Saí de casa esperando muito. Desde
que me permiti sair dos parâmetros de todos os capítulos chatos da existência,
pude trocar, rever e experimentar de todos os episódios e de toda a trilha
sonora do máximo de dias que eu me dava conta de que ainda passava algum ar
pelos meus pulmões. Amigos, pessoas que tinham uma peculiaridade e uma
história, estavam me esperando no portão. Coloquei os pés na calçada lisa, fui
invadida brevemente com todas as ondas de calor possíveis e em seguida, tomada
pela brisa leve e refrescante. É, talvez, umas das coisas que mais gosto do
verão – talvez a única coisa.
Já havia um tempo da nova-velha
realidade em que eu me encaixava. Depois de todos os desconfortos e
desconsertos sofridos, talvez ainda não estivesse tão acostumada com o
recomeço. E isso, posso dizer seguramente, não era ruim. Ao contrário, me
sentia confortável por um forte desprendimento das coisas, que obtive desde que
passei por experiências de grande estorvo. Quem nunca passa por isso? Quantos se
permitem sair disso? Era noite de gastar com as melhores bebidas, e as piores
também, ir ao show que gostávamos, com pessoas que agradavam umas às outras.
Isso não é felicidade pra você? Ainda
bem que qualquer um pode encontrar qualquer forma de se fazer feliz, porque nós
estávamos, e nós havíamos encontrado algo.
Entramos na casa noturna escura,
quente, com cheiro adocicado. As luzes brilhantes e ilusórias dos holofotes de
acordo com o som que ecoava dos instrumentos pareciam bater nos olhos no mesmo
ritmo que a música vibrava nas costelas. Eu sentia meu coração bombeando o
sangue e o estômago leve. A banda já tocava impecável no palco e, antes que eu
pudesse retomar o fôlego, meu olho pôde observar claramente entre todas as
luzes quem eu jamais pudera imaginar encontrar. Um lugar improvável, em um
tempo improvável. É engraçado como nenhuma das coisas zeram quando já foram
vividas e revividas. Era a nossa banda, aquela que conhecemos juntos, vimos
crescer e atingir o estrelismo, acompanhando os CD’s e DVD’s. Agora estávamos
nos encarando e ouvindo da forma mais direta possível o que todas as
composições diziam e que já haviam mudado completamente o significado pra mim. Ele
olhou fixamente, houve algo ali.
Talvez os dois estivessem impressionados
com o que o destino reservou, já que minha crença em algo que Deus pudesse
fazer já não era tanta assim. Acredito que a dele também não. Era um tanto
quanto evidente, mas ele preferiu continuar fazendo as pessoas acreditarem que
ele ainda rezava, ou algo do tipo. Mas as sextas e sábados saía com os amigos
da faculdade pra encher a cara e fumar maconha. Deus veria de qualquer jeito,
mas não reclamaria. As pessoas a sua volta sim, o julgariam e pregariam o quão
errado era. O problema não era Deus, eram as pessoas. Depois de chegar a essa
conclusão, o quê mais eu poderia pensar? Quase reprovou em uma das matérias da
faculdade. Mas conseguiu se safar. Não era nenhum perdedor. Ou pelo menos,
jamais demonstraria isso a alguém. Era
paparicado quando aparecia na casa da mãe nas férias. Mesmo preso nas crises
existenciais e dando PT alcoólico nas festas, jamais deixava de ir à missa. Mas
não podia fazer nada do cotidiano universitário quando dormia na mãe. Era um
cara feliz, até demais. A música tocando e a bateria explodindo nos pulmões
completavam o cenário do cara se divertindo com os amigos. Impecavelmente
sorridente.
- Oi, tudo bem? Nossa! Quanto tempo!
– Disse sorrindo, como quem se preocupava normalmente.
- Tudo pô, e você? – Não senti nada.
Pena, talvez. Felicidade. Alívio por
saber que querendo ou não, as pessoas seguem. Seguem suas vidas, seus dias, sua
jornada. Pena por poucos fazerem isso da maneira que os faça feliz, à sua
própria maneira, simplesmente porque é trabalhoso demais tomar as rédeas da
própria felicidade. Alívio por saber que eu tomei as rédeas de todos os meus
sorrisos. Pena pelos sorrisos alheios que não são completos, que adiam a
história da própria vida porque “agora não dá” e passam a viver de coisas
secundárias que satisfazem tanto quanto tofu.
Era uma noite de verão, com pessoas
que me faziam bem e eu havia recomeçado. Mas me dera conta de que havia muitos
caras daquele, rindo impecavelmente, sendo apenas metade do que desejava ser. E
eu, que pensei em abrir mão da minha segunda chance, não sentia nada mais, só o
som batendo no peito e a sensação de liberdade refazendo os pontos da minha
história.