segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O que a gente leva?

   O que a gente leva da vida é inversamente proporcional ao que buscamos nessa Terra, tátil, grande, onde ficamos imersos sob inúmeros sonhos, aos quais na maioria das vezes temos vergonha em abrir ao mundo os mais nobres e sinceros e demonstramos veemente os mais terrenos, materiais e obsoletos deles.
   Parece vergonhoso admitir que sonha em acabar com a fome do mundo ou lutar por alguma causa social. Parece intimidador dizer aos outros que quer deixar um legado na literatura internacional. O mundo sempre nos subestima. Mas confunde-se interminavelmente o fato de sonhar e o fato de acreditar estar construindo alguma coisa chamada "sonho" quando você está inserido em uma realidade muito distante daquilo que você imaginou. Talvez, dentro de você, a sua maior conquista não seja uma conquista sonhada. Não um sonho real. Apenas uma vitória para inglês ver. A gente sabe como funciona. Aquela promoção na empresa de logística, ou a contratação na agência de publicidade. Talvez dentro de você, isso seja só a sobrevivência, e não o sonho. Talvez você quisesse ser um grande fotógrafo de natureza, ou um skatista profissional, sei lá. A gente leva a sério demais, se desgasta demais por coisas das quais os outros irão ver, como se você fosse um quadro social da desgraça exposto em um museu dos bons modos.
    Porque claro, seguir um sonho é uma desgraça total. As pessoas amam a dificuldade que você encontra, porque ali elas acreditam que você não vai conseguir. Elas só não querem mesmo que você chegue lá. Ainda que você não queira chegar a lugar algum. A verdade é que ninguém deveria ser obrigado a chegar a algum lugar. E esse é o maior pecado de todas as gerações. Às vezes temos que entender e aprender que em qualquer jogo, não importa se você ganhe ou perca, e sim o quanto você se diverte, porque o que a gente leva da vida é inversamente proporcional ao que buscamos nessa Terra. Aberta, enorme, linda, pronta pra ser explorada e humanamente impossível de ter suas maiores riquezas exploradas em uma vida. E ainda assim, sem tempo pra isso tudo, mesmo assim, cultivamos humanos com obrigações impiedosas de aprisionamentos. Aprisionamentos do corpo, em escritórios e apartamentos, aprisionamentos da alma em preocupações e listas morais.
   Você não pode falhar, você não pode morrer realizado. Os moralistas não querem isso. Caso você manche seu quadro de vida saindo dos padrões, vai se diferenciar demais. Eles não querem o seu destaque. Eles não querem te ver brincar ao invés de estar com o rosto ranzinza de preocupações.